[...] Como um caleidoscópio o Toré reordena e elabora saberes múltiplos sobre a natureza, o tempo e o imaginário social, celebrando a vida, a criação permanente e afirmando a possibilidade futura de uma comunidade imaginada e benfazeja entre todos os que dela participam. [...]. (João Pacheco de Oliveira, prefácio do livro Toré: regime encantado do índio do Nordeste, 2005. p. 10).
O Toré é uma expressão espiritual-religiosa de grande importância no Nordeste indígena. Sim, quem pensa que não há indígenas no Nordeste, se engana. Segundo os dados do IBGE de 2010, no Nordeste, encontra-se a segunda maior população indígena no Brasil (27,8%). Embora, por muitas décadas, esses grupos não se autodenominavam indígenas, atualmente, vêm ocorrendo um processo de recuperação dessas identidades, que é fortalecido pelo ritual do Toré. “O Toré é a força maior da nossa cultura, é sagrado como um pai para a gente.” A frase, dita com simplicidade pelo mestre de linha pipipã do terreiro (pessoa que conduz a dança), Edelson Lima, resume bem o sentimento dos indígenas em relação ao ritual presente em praticamente todos os povos do Nordeste.
Manifestação cultural extensiva a diferentes grupos e por eles definidos como tradição, união e brincadeira, é um ritual complexo, que envolve uma dança circular, em fila ou pares, acompanhada por cantos, ao som de maracás, zabumbas, gaitas e apitos, de grande importância para os indígenas. Cada grupo possui um toré próprio e singular, apresentando variações de ritmos e toadas dependendo de cada povo. O maracá – chocalho indígena geralmente feito com uma cabaça seca, sem miolo, na qual se colocam pedras ou sementes – marca o tom das pisadas e os indígenas dançam, em geral, ao ar livre e em círculos. O ritual é considerado o símbolo maior de resistência dos povos indígenas do Nordeste. É realizado, geralmente, de 15 em 15 dias, tanto com o objetivo religioso quanto festivo, de comemoração. O toré também tem sentidos diferentes e podem ser celebrados para homenagear autoridades ou visitas; como instrumento político,
em exibições públicas nas cidades onde as aldeias estão localizadas para reafirmar a coletividade perante a sociedade e também com função religiosa, de penitência, resgate dos antepassados e relação com a natureza. No povo pipipã, quando alguém da aldeia morre, a comunidade se resguarda e passa o período de um mês sem realizar o toré no terreiro, como uma forma de homenagear aqueles que se foram. As primeiras referências ao termo toré são encontradas no final do século XIX, na obra Vocabulário pernambucano, de Pereira da Costa, como sendo uma dança cantada dos mestiços indígenas de Cimbres, Pernambuco, atual território dos Xucuru.
Expressão emblemática da identidade, cultura e religiosidade dos indígenas da região, é composto por música, dança, ingestão de bebida – normalmente a jurema, feita com cascas e raízes de espécies botânicas capazes de causar alterações de consciência e percepção –, além de transe mediúnico, onde os participantes fazem contato com seres espirituais, antepassados ou não.
É difundido em uma extensa área do Nordeste brasileiro: no Ceará, entre os povos Tapeba, Jenipapo-Kanindé e Tremembé; no litoral da Paraíba, entre os Potiguara; no Sertão do Rio São Francisco, entre os Fulni-ô, Tuxás, Tumbalalá, Xocó, Truká, Kariri-Xocó, Pankararé, Pankararu, Jenipankó, Kiriri, Kaimbé, Atikum, Xukuru, Kapinawá, Kambiwá, Pipipã, assim como, no interior de Minas Gerais, entre os Xakriabá e Xucuru-Kariri.
O vídeo abaixo é uma representação do Grupo Muratan do Cacique Piratan Kariri Xoco.
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